Transferência da distribuidora do AM para grupo J&F pode ser anulada se Justiça voltar atrás, diz Aneel
Venda no modelo atual se baseia em decisão individual de uma juíza, e é respaldada por uma medida provisória que perde a validade na quinta. Transação enfrenta série de reviravoltas. A transferência de controle da distribuidora do Amazonas, a Amazonas Energia, para o grupo J&F pode ser anulada caso a decisão judicial que obrigou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a aprovar o negócio perca validade.
A declaração é do diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, em entrevista a jornalistas nesta terça-feira (8).
"Se a decisão [judicial] cair fora da vigência da medida provisória, o que nós temos de fato é que a transferência de controle não ocorreu. Quem é o responsável pela prestação serviço no estado do Amazonas? Oliveira Energia, [atual controlador da] Amazonas Energia", disse Feitosa.
Segundo o diretor-geral, "caso haja uma decisão judicial cancelando a anterior, aqueles atos são nulos por efeito".
Feitosa se refere à decisão da juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe que determinou a aprovação da venda da Amazonas Energia à Âmbar Energia --empresa do grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista.
Por força da decisão judicial, o diretor-geral assinou uma decisão monocrática que aprovou a venda da distribuidora. Falta apenas a assinatura do contrato para selar o negócio.
O g1 apurou que as empresas já foram oficiadas pela Aneel para assinar o contrato, conforme despacho de Feitosa, que determina a aprovação sub judice – ou seja, condicionada à validade da decisão judicial.
"Em tese, em um fato concreto, se uma decisão judicial determina a assinatura de um contrato, esse contrato é assinado, [e] essa decisão é anulada, aquela assinatura é tornada nula. Então, aquele ato que foi realizado sem uma cobertura judicial, ele é nulo", continuou.
Em nota, na terça-feira (7), a Aneel disse que a aprovação do negócio "se dá em caráter naturalmente precário e perdurará apenas enquanto vigorar a decisão judicial".
A agência afirmou ainda que vai continuar "envidando esforços de atuação processual" contra a decisão que a obrigou a aprovar o plano.
Diretor-geral da ANEEL aprova venda da Amazonas Energia pro Grupo Âmbar, dos irmãos Batista
Caso 'não está sendo bem conduzido', diz Silveira
Em entrevista após um evento com Lula nesta terça, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o processo "não está sendo bem conduzido" e que há, inclusive, risco de colapso energético no Amazonas em razão do imbróglio.
"De forma objetiva, o que podemos ver é que, se isso não for resolvido da melhor forma, e a melhor forma quem vai apontar é a Aneel, nós podemos ter um colapso energético lá, de suprimento, não podemos admitir isso. Por isso que tenho cobrado que a Aneel cumpra a política pública, mas a forma quem define é o regulador", disse.
"O que eu acompanho publicamente é que não está sendo bem conduzido [o processo], porque já era pra ser mais célere, não era pra precisar de uma liminar, depois da liminar expedida, não era para contrariar uma liminar [...] Espero que tenha responsabilidade do órgão regulador com o Brasil", completou.
Plano aprovado
No último dia 1º, a Aneel aprovou o plano de transferência para a Âmbar. Contudo, os termos aprovados foram determinados pela área técnica, com custos menores aos consumidores, de R$ 8 bilhões.
A Âmbar se recusou a assinar o contrato conforme os termos aprovados pela Aneel e, na quarta-feira (2), entrou com um recurso contra a decisão.
A decisão do diretor-geral da Aneel aprova a transferência de controle conforme o último plano submetido pela empresa, com custo de R$ 14 bilhões aos consumidores, seguindo a decisão judicial.
Já o recurso da Âmbar na Aneel foi reprovado por perda de objeto. Também em decisão monocrática, o diretor relator Fernando Mosna considerou que, por causa da decisão judicial que foi atendida, o pedido da empresa não pode mais ser considerado válido.
O g1 apurou que, por conta da perda de objeto, a Âmbar terá que escolher entre três opções:
assinar o contrato por via judicial, que pode ser anulado caso a decisão da juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe deixe de ser válida;
assinar o contrato conforme os termos da decisão de 1º de outubro, com repasse de R$ 8 bilhões aos consumidores, no lugar dos R$ 14 bilhões pleiteados pelas empresas; ou
entrar com um recurso contra a decisão de perda de objeto, que deverá passar pelo relator e pela diretoria colegiada da Aneel. Se aprovado, o recurso permitiria a análise do pedido de reconsideração da empresa, que pede outros termos em relação à decisão do dia 1º.
Tudo isso tem que ser decidido, e o contrato assinado, até quinta-feira (10), quando a medida provisória perde validade.
Empresa Âmbar recusou condições iniciais definidas pela Aneel pra assumir a Amazonas Energia; entenda
Medida provisória
A Âmbar Energia corre contra o tempo para aprovar a transferência de controle.
🕐 Isso porque o governo Lula publicou uma medida provisória que prevê a venda da Amazonas Energia com flexibilizações de custos, transferidas ao consumidor, o que torna o negócio mais atrativo para a empresa.
🕐 Contudo, por falta de deliberação pelo Congresso, essa MP perde validade no próximo dia 10.
Por causa da MP, os seguintes custos da distribuidora podem ser transferidos para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) – paga por todos os consumidores:
▶️ furtos de energia, que são altos no Amazonas;
▶️ ônus com sobrecontratação involuntária --quando a distribuidora tem mais geração de energia contratada que o consumo de seus clientes;
▶️ e outras despesas regulatórias, como custos operacionais e receitas irrecuperáveis (contas de consumidores inadimplentes).
A medida provisória também permite a transferência de contratos de seis usinas termelétricas do regime de “compra e venda de energia” para “reserva de energia”. As usinas foram compradas pela Âmbar Energia dias antes da publicação da MP.
A conversão significa que as termelétricas contratadas diretamente pela Amazonas Energia por meio de receitas próprias e da Conta de Consumo de Combustíveis – um encargo na conta de luz para bancar usinas na região Norte – passarão a ser custeadas exclusivamente pelos consumidores.
Isso reduz a sobrecontratação da Amazonas Energia e reduz o risco de inadimplência para as usinas. Tanto as termelétricas quanto a distribuidora foram compradas pela Âmbar.
Entenda o impasse
A Amazonas Energia é a distribuidora responsável pelos serviços de energia no estado do Amazonas.
A empresa enfrenta uma crise financeira que levou à recomendação de cassação do contrato junto ao Ministério de Minas e Energia.
A Eletrobras detinha a concessão no estado. Após a Eletrobras sair do segmento de distribuição, o contrato foi assumido pelo Consórcio Oliveira Energia em 2019.
"Mesmo após o processo de desestatização e garantido o atendimento aos dispositivos legais, regulamentares e contratuais aplicáveis, a distribuidora [Amazonas Energia] não conseguiu atingir níveis sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro", afirmou a Aneel em relatório de 2023.
A extinção do contrato foi recomendada pela Aneel em novembro de 2023, após verificar que a empresa não tinha condições financeiras de manter a concessão. Ela tem uma dívida de R$ 10 bilhões.
Uma medida provisória publicada em junho pelo governo previa uma mudança de controle da distribuidora. Pelo texto, os adquirentes teriam que apresentar um plano de transferência de controle societário, que deveria ser analisado e aprovado pela Aneel.
A MP previa também tirar da Amazonas Energia um custo que ela tinha que arcar, por contrato, com o acionamento de usinas termelétricas no estado.
A flexibilização das regras para a Amazonas Energia, por meio da medida provisória, foi uma forma de garantir a continuidade da prestação de serviços à população, ameaçada pela situação econômica da concessão.
Em 28 de junho, a Âmbar Energia apresentou o plano para assumir o controle da distribuidora. O documento enviado à Aneel previa a compra da distribuidora pelos fundos Futura Venture e Fundo Milão, da J&F.
Esse plano foi considerado insatisfatório pela área técnica da Aneel, por não solucionar o endividamento da empresa.
Uma decisão judicial, da juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, deu à agência um prazo de 48 horas para que a Aneel aprovasse o plano apresentado em 28 de junho.
Momentos de discussão
A Aneel votou o tema em duas reuniões:
▶️ no dia 27 de setembro, a diretoria colegiada empatou na decisão, com dois votos a dois. Isso impossibilitou a aprovação da venda, como determinava a decisão da juíza Fraxe;
▶️ no dia 1º de outubro, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, mudou seu voto e possibilitou a aprovação a venda da Amazonas Energia, conforme as determinações da área técnica da agência.
Enquanto isso, a Amazonas Energia ingressou com um pedido na Justiça Federal para que a Aneel cumpra a decisão judicial aprovando o último plano submetido pela Âmbar, no dia 26 de setembro.
Esse pedido que foi acolhido pela juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe na quinta-feira (3), dando prazo de 24 horas para a Aneel aprovar a medida. A agência chegou a entrar com recurso na Justiça, mas não obteve sucesso.FONTE: https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/10/08/transferencia-da-distribuidora-do-am-para-grupo-jandf-pode-ser-anulada-se-justica-voltar-atras-diz-aneel.ghtml